Foi a primeira vez que um professor nos pediu um pequeno trabalho com carácter pessoal. Como esta reflexão até me deu algum gosto, decidi partilha-la:
Vivemos actualmente numa sociedade quantitativa. A qualidade dos seus membros passa a ser classificada de acordo com números e notas que, raramente ou mesmo nunca, traduzem as potencialidades e capacidades individuais. Por estas razões, torna-se fulcral uma análise reflexiva da nossa evolução, dos nossos objectivos e mesmo das nossas capacidades interiores para não cairmos na tendência de nos auto-rotularmos com aqueles mesmos números ou categorias que a sociedade nos tenta impor.
De facto, desde que iniciou a minha formação em psicologia que verifico um sem número de grandes e pequenas alterações na minha pessoa. Verifico-o, muito pela dificuldade que me surgiu na elaboração deste trabalho. Não por não me conhecer, pois acredito que na verdade me conheço até bem de mais na minha vertente pessoal. Contudo, ao longo de toda a minha vida universitária foram-me pedidos trabalhos extremamente objectivos, onde era suposto excluir por completo a minha idiossincrasia, efectuando-os como se eu fosse um ser mecânico, um cientista. Claro que concordo plenamente com esses procedimentos indispensáveis a um bom investigador, independentemente da sua área. Limito-me apenas a apontar a grande e possivelmente única dificuldade que me surgiu durante a elaboração deste trabalho.
Na verdade, sinto que a minha evolução ao longo destes anos foi de tal magnitude que dificilmente consigo comparar-me com o meu “eu” anterior à faculdade. Lembro-me no entanto de me sentir, nos primeiros dias de caloiro, completamente fora da minha “zona de conforto”. Rapidamente todas as minhas expectativas caíram por terra, superadas por algo com dimensões muito maiores do que aquilo que eu imaginava. Afinal, para ser-se psicólogo não bastava dar-se meia dúzia de conselhos baseados numas quaisquer teorias. Não, vim a apreender ao longo destes anos que era algo desmesuradamente mais complexo. Era algo que constantemente punha os nossos valores à prova alterando-os em muitas situações. Era algo com uma ética rigidamente necessária, algo trabalhoso que implicava a assimilação de uma quantidade enorme de conhecimentos, que nos empunha maturidade, algum sacrifício e respeito pelas pessoas e pelas diferenças. Mesmo na vida pessoal, a forma de estar e de reagir foi alterada. Verifico um discurso mais rico, mais elaborado. Um raciocínio com tendência a recorrer sempre à lógica, à razão e à ciência. Uma maior auto-confiança e uma imunidade a falar em público, fruto de dezenas de apresentações e defesas de trabalhos. Verifico até uma tendência dos amigos antigos para recorrerem a mim com perguntas mais sensíveis, admitindo muitas vezes terem um “medo” infundado de eu os analisar por uma vertente profissional ou de invadir a sua privacidade como se tivesse subitamente desenvolvido poderes telepáticos. Mesmo a forma de escrever e os temas de interesse se alteraram. Constato este facto facilmente se recorrer a um “blog” pessoal que mantenho há alguns anos e que traduz uma enorme evolução neste campo desde a sua criação até à actualidade. Importa também referir o grupo extremamente forte de amigos que se formou desde o primeiro ano, que se tem mantido unido facultando sempre entreajuda, apoio, conhecimento, novas experiencias e também o divertimento indispensável a uma vida saudável, ultrapassando em muito os limites da vida na faculdade. Deste modo, é também fácil de compreender que os colegas e professores tiveram um papel de destaque na minha formação pautando-a com momentos marcantes e enriquecedores que sem dúvida serão indispensáveis no futuro.
No entanto, apesar de toda a evolução e de todas as pequenas realizações que alcancei até ao momento, continuo a sentir que ainda existe um longo caminho pela frente, continuo a questionar-me se serei um bom profissional e o quanto ainda posso melhorar. Colocar-me-ia no estatuto de Achievers segundo os estádios de J. Marcia. Tenho as perguntas, e as ferramentas para continuar a minha evolução e é nisso que tenho investido. Existem ainda vários obstáculos que espero ultrapassar durante a minha jornada profissional na área da psicologia. Nomeadamente os meus próprios defeitos, a minha postura demasiadamente relaxada, a minha falta de pontualidade, a preguiça de trabalhar mais, de me esforçar mais, de ser mais… De resto, não temo desafios, não tenho medo de arriscar e de ser posto fora da minha “zona de segurança” e se recorresse ao estudo de William Perry sobre o desenvolvimento ético e intelectual dos estudantes universitários não teria dúvidas em referir que já alcancei uma posição de Investimento/Compromisso. Sinto-me plenamente preparado para seguir esta jornada com capacidade para aceitar várias ideologias alternativas mas investindo nos meus próprios objectivos na busca de uma conduta exemplar, de um contributo para a sociedade e para o conhecimento científico e da realização pessoal e profissional. Mantenho porém, a noção da realidade e sei que o “fantasma” do desemprego e do insucesso paira sobre todos nós. Além de mais, seria extremamente ingénuo se dissesse que não é algo que me deixa ligeiramente apreensivo. Contudo, o mundo é um lugar extremamente grande e não me sinto estritamente preso às fronteiras nacionais. Uma das certezas que eu tenho, é que existem muitos locais com necessidades de formação e de acompanhamento, com necessidade de um psicólogo. É algo que sem dúvida espero poder efectuar ao longo do meu futuro.
É também muito gratificante verificar que este mestrado me está a possibilitar novas e aliciantes perspectivas, impondo-me objectivos desafiantes mas possíveis de alcançar. Inicialmente tive alguma dificuldade em escolher qual a área na qual me queria especializar. Estava extremamente indeciso entre o Mestrado em Psicologia da Justiça e o Mestrado em Psicologia Clínica e Saúde. Por fim, acabei por optar pelo segundo na medida em que considero ser uma área mais abrangente além de extremamente interessante e socialmente útil. Sentia que o Mestrado de Justiça me limitava muito, principalmente se quisesse exercer fora do país. Todavia, a psicologia como ciência que é, não é estanque. Está em constante evolução, crescimento e descoberta sendo imprescindível que eu me mantenha actualizado e acompanhe atentamente o seu desenvolvimento. Assim sendo, consciente de que serei sempre um estudante da área, certamente que mais tarde terei possibilidade de enveredar por outros âmbitos da psicologia incluindo a sua vertente judicial.
Quanto ao Mestrado de Psicologia Clínica e da Saúde, embora na minha opinião apresente algumas fragilidades em questões de organização, está sem dúvida a ser indispensável para consolidar e adquirir informação, para compreender várias novas perspectivas válidas na psicologia, para enriquecer cada dia mais a minha formação e para me fornecer os dados fundamentais que utilizarei para tomar as minhas decisões. Como tal, acredito que este mestrado me ajudou a desenvolver um Raciocínio Reflexivo segundo os modelos de Kitchener e King acreditando que apesar de não existirem certezas universais, o conhecimento pode ser construído de forma gradual com a participação activa do Ser Humano.
Por fim, convém referir que estou extremamente satisfeito com o estado desenvolvimental em que me encontro ambicionando alcançar muitos mais objectivos. Importa também auxiliar na destruição de vários mitos ligados à psicologia. Tais como quaisquer ligações ao sobrenatural, e as ideias de que a psicologia é algo de secundário e pouco necessário ou útil. Na verdade, como ciência que estuda o comportamento, a psicologia é frequentemente a chave para se compreender, explicar, prever e alterar comportamentos ou alcançar determinados objectivos e estados psicológicos mais saudáveis e adaptados. Por outro lado, a noção de que “a psicologia não faz mal a ninguém” é algo também extremamente falacioso. Como na grande maioria das profissões, o “saber fazer” é indispensável. Muitas vezes, uma palavra, um comportamento, ou mesmo um gesto podem direccionar o rumo de vida de uma pessoa a consequências devastadoras. Há que ter sempre em consideração que muitas das pessoas que procuram um psicólogo encontram-se em estados emocionais mais fragilizados e que a consulta psicológica irá exercer grande poder sobre a vida dessa pessoa. Assim sendo, continuo a minha aprendizagem e evolução incessantemente, tendo sempre em mente as palavras de Peter Parker, um dos meus super-heróis de infância, adolescência e adultez: “With Great Power Comes Great Responsibility”.
9 comentários:
Penso que escolheste o curso certo, aquele em que te sentes bem, e isso é o mais importante para a tua vida futura, em termos profissionais.
Quantos não foram "empurrados" ou simplesmente fizeram opções erradas, pelas quais, ao longo da sua vida, pagam um preço alto, de desconforto e infelicidade profissional?
estás de parabéns!
O que eu gostava que os meus alunos conseguissem escrever assim.
fariam de mim uma pessoas ainda mais feliz.
Abraço
Ai ai, a profissão, essa semana mesmo andava eu a pensar se tinha feito a opção certa e a resposta que chego é: não sei. Eu gosto muito mas não sinto essa paixão toda que tu demonstras ter pela psicologia, não sei se ganharei isso com o tempo, se me falta segurança para exercer minha profissão, ando lá pelo estágio final e gosto do que faço, mas tenho medo de não fazer bem feito, enfim são coisas minhas. Fiquei extremamente feliz com o post por ver que escrever com muita propriedade e por estares feliz com a escolha acertada que tivestes, fico mias feliz ainda por participar mesmo que de forma não directa mas por fazer parte da tua formação e estar contigo nesse processo de amadurecimento. Espero que continues nesse caminho e poder estar sempre junto contigo :)
Devo dizer que o que tornou este reflexão de todo mais interessante foi a finalização do trabalho com aquela citação, muito criativo sim senhora!:D
Foi engraçado ler isto tudo porque fiquei com a ideia de que afinal já te conheço bem, não disseste lá nada que me surpreendesse e gostei!
Questão pertinente: será que faço parte daquele grupo de amigos k é essencial para uma vida saudável? ou serei sempre e em qualquer instância aquela que te irrita? hehehehe
Gosto!
BEIJO Né
Pinguim: Nisso podes estar certo, não podia estar mais feliz com o meu curso. Dá-me muito gosto aprender a conhecer a mente humana. Claro que também tem assuntos aborrecidos e é algo muito trabalhoso mas extremamente interessante.
Myke: Obrigado. Acho que é uma questão de lhes dares um trabalho em que se sintam motivados. ;)
Theo: Eu sei que no fundo também gostas muito da teu curso. Sempre te imagino nessa área embora te veja mais numa vertente de cosmética eheheh.
Nélia: Tu irritas-me é verdade, mas é só pela tua constante obsessão em estudar e fazer trabalhos. Solta-te mais ehehhe. Ainda bem que gostaste, também gostei bastante da tua como referi. De resto é obvio que fazes parte daquele grupo como todas as Kengas. :)
Cumprimentos a todos.
Não é tão fácil quanto isso!
Gostei imenso de ler este ter trabalho. O que dizes no início é bem verdade, pedem-se trabalhos com objectivos bem definidos, onde a opinião ou marca do autor devem ficar de fora. E depois chegamos a um ponto que conseguimos falar de tudo menos de nós próprios.
Durante a faculdade aborreciam-me, mas hoje reconheço o papel importante das notas de evolução de aprendizagem que era suposto escrever todas as semanas. Falar um pouco sobre nós próprios e conseguir aplicar a teoria e o que se aprende à nossa situação em particular não é um mero exercício de rotulagem, exige um auto-conhecimento que importa desenvolver.
Os meus parabéns, o texto está fantástico e deve ter sido muito bem classificado. E a frase de remate... genial!
um coelho: Obrigado, esperemos que o professor concorde contigo. ;)
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